sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Lugar nenhum


Sob a cama desarrumada, embalsamada na penumbra, jaz um portal o qual apenas se abre no deitar do sol. Sob as peças de madeira que compõe o piso há frestas que exalam o cheiro das trevas. Descendo as camadas do solo, transpassando o centro da terra e rompendo a membrana da realidade há um lugar que humano algum ousou imaginar. Nesta terra de ninguém, todos são donos. Todos compartilham. No mais obscuro do universo habita o mais profundo medo da alma do homem. Criaturas grotescas se contorcem de horror ao próprio lugar. Demônios espreitam nas fendas. Fantasmas gritam de agonia e restos de membros se rastejam na lama ensanguentada. Não há luz. Não há dia. A senhora Morte governa de seu trono de crânios no alto de uma colina e brinquedos semi-deteriorados agem à seu favor. Corvos gigantes são responsáveis por arrancar a carne podre de fetos jogados ao relento. O inferno inveja tamanho desespero. 

A cada piscar de olhos o chão do abismo treme e do pó fétido surge novos inquilinos da dor. Novas criaturas, novos objetos, novas almas. Simultaneamente seres desabam em cinzas e retornam ao nada. E por toda a eternidade assim permanece, a moldagem e sepultamento de algo que um dia fora criado no berço da inocência. 

Todo sonho, personagem, criatura ou pesadelo um dia criado na mente humana tem seu final selado no esquecimento. Eis que objetos, animais e brinquedos que pertenceram ao seu dono aqui já não encontram utilidade. É aqui que vivem todos os planos e desejos que foram abandonados. Todo mundo o cria e o destrói incansavelmente. 

Não há saída no país esquecido. Apenas uma porta de entrada, a mais poluída e desprezável que pode existir, a nossa mente.