Uma chave jogada em um terreno baldio reluziu em meio aos montantes de lixo e ferragens velhas. Logo chamou atenção do pequeno garoto que ali brincava com um gato de rua. De pelos cinzas e manchas pretas, pulava e corria seguindo um velho chaveiro no formato de cruz amarrado em um barbante encardido. O menino de repente suspendeu seus movimentos circulares e com isso seu amigo também se aquietou.
Uma moeda nova que viera com o ultimo carregamento de ferro velho, o jovem deduziu. Imaginou também o que seu amigo quadrúpede estaria pensando, em um brinquedo novinho quem sabe.
Mas isso seria muito estranho nessas redondezas, afinal, há décadas nada isento de ferrugem ou sujeira chegava àquela região esquecida pelo tempo, sua mãe lhe dissera certa vez. A curiosidade então falou mais alto, teria que verificar antes de voltar para casa. Enrolou seu barbante velho e o colocou com cuidado no bolso de trás da calça surrada. E pediu para seu colega: - Você poderia ficar um momento aqui e servir como vigia, caso alguém apareça?
Um olhar semicerrado e uma cabeça pendendo para o lado esquerdo foi sua única resposta. E de alguma forma o menino concluiu que aquilo era um “sim”. Como alguém que acaba de fazer um trato, apertou a pequena pata direita do animal e sem mais delonga virou-se para a enorme pilha. Poderia levar horas, dias ou até mesmo anos para galgar toda aquela quinquilharia, pensou. Mas não se deteve, começou a pular e escalar vendo os inúmeros objetos ao longo do caminho e imaginando que história tudo aquilo contaria se soubessem falar.
“Como fui feliz percorrendo longas estradas, disse o pneu velho”.
“Sinto falta de manter os vegetais fresquinhos, resmungou a geladeira”.
“Amava como todos brigavam só para olharem para mim, regozijou a antiga TV”.
E assim sucedeu a trajetória do pequeno garoto, apesar de estar em um local relativamente alto, sua mente voava milhas acima daquela planície.
Alheio à emoção do garoto o gato partiu sem rumo para a direção oposta. E destemidamente a escalada continuou vez ou outra sendo interrompida por uma rajada forte de vento carregando poeira.
Contudo houve um momento em que um computador velho desabou com a força da pisada do garoto fazendo com que o mesmo também caísse, despencando 27 metros, até atingir com força o solo com pedregulho. Nesse ínterim quinas e lanças enferrujadas fustigaram o menino sem nome fazendo cortes profundos, um deles acertando fatalmente o pescoço do pobre indivíduo. E sem mais nem menos, poucos segundos depois só havia um corpo sem inquilino, jogado ao acaso. Sua mente continuou a subir sem parar, pensando que atingiria o teto do mundo, enquanto sua antiga moradia era encoberta por terra.
Ninguém nunca saberia, mas a criança havia morrido em paz pensando ter alcançado a chave que a tiraria daquele mundo infeliz.