segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Insanidade


Subi na minha bicicleta e pedalei arduamente sem sequer espiar o que eu deixava para trás. Estava cansada disso, não ia suportar por muito tempo mesmo, eles deviam saber que não. O som meio opaco dos pneus atritando e impulsionando o mundo para o passado chega aos meus ouvidos como um clamor de alívio, de uma momentânea segurança. O ar quente queimando meus pulmões a medida que escapa por entre meus lábios dolorosamente escarlate. Meus músculos doem, mas não sou capaz de parar e pensar nisso me deixa enjoada. Olho pra o horizonte que me encara de volta, utópico e indiferente aos meus sentimentos. Mesmo assim insisto em voar para ele, no entanto, casas, automóveis e pessoas brotam do solo afastando a tênue linha para mais longe. 

Felizmente a atenção em desviar dos veículos reprime as cenas que sei que não esquecerei. Eu realmente não faço ideia que aparência apresento no momento, mas olhos curiosos e assustados me fuzilam sem pudor. Seria tudo tão simples se eu pudesse simplesmente voar ou quem sabe sumir. Morrer. 

Morrer.

Isso sim pode ser bem manejado com uma simples mudança angular do guidão. Estou vendo uma camionete crescendo há alguns metros e o fato de estar na contramão só faz encandecer o pensamento malicioso. A luz queima minhas retinas e fico cega temporariamente. Fecho os olhos sem pensar em tocar nos freios. 

Buzina. Gritos.

Ainda estou viva. Uma notícia que não me deixa mais aliviada. Ao pensar para onde estou indo sinto-me aterrorizada pois não tenho destino certo. 

O barulho abafado do músculo cedendo à medida que eu pressionava a lâmina contra o estômago dela ainda ecoa em minha cabeça. “Uma pobre garotinha” é o que imagino que sairá no jornal local. Minha roupa ainda exala o fétido cheiro de suco gástrico e minhas mãos estão pegajosas devido o suor e o sangue ressecado. Ela devia ter em média 12 anos, mas jamais me enganara com aquela carinha de anjo. Meus longos cabelos estão emaranhados e levemente amarrados com uma liga de plástico, a mesma que usam para separarem notas de dinheiro.

As sirenes piscam a centenas de metros atrás e imaginar passar o resto da vida na cadeia não é nada animador. Eu fiz o que me disseram. Fiz o que as vozes mandaram. Aquela estúpida garota mordeu a orelha do meu querido filho. Fiz o que tinha que fazer. O que todas as mães protetoras deviam fazer. 

Nesse momento eu só quero chegar no horizonte e pedalar sob o arco-íris. É minha recompensa, minha vitória.

Fiz o que meu filho não teria coragem de fazer. Ele é muito novo e agora vai crescer em paz com seu pai. 

Eu fiz o que devia fazer. 

E assim sigo com o fervor da adrenalina rasgando meu corpo. Estou mais perto das cores fortes. Mais perto do inalcançável. 

E assim vou, em paz, pois fiz o que devia fazer.

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