quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Um novo Dia


A luz do sol entra pela janela apenas para te lembrar de que mais um dia chegou. Uma atitude um tanto humilde de uma estrela tão grande. As forças são revigoradas, os músculos se contraem e relaxam, o corpo estremece. Então você levanta. Tudo está no lugar, perfumado, organizado. O espelho é um portal o qual você tenta evitar olhar por muito tempo. O fogo e a dor ardem lá dentro, não vale a pena voltar para dar uma espiada. 

Na rua os pássaros cantam sem parar, o céu está tão limpo e azul que até parece que uma criança derramou um pote de aquarela. As pessoas te dão bom dia e te estapeiam com sorrisos. Tudo parece tão certo, tão coerente. É difícil pensar que ontem o mundo estava acabando. É algo tão novo, tão excitante, que só pode ter sido tirado das páginas de um bom livro. O vento traz músicas que há muito não ouvia, dá até para flutuar com as partituras. Enquanto ando me sinto mais leve. A verdade, é que sem perceber vou perdendo trecos e bugigangas que caem da minha roupa. Da terra surgi uma espécie de fumaça esbranquiçada que em poucos segundos aderiu a minha pele como melado. Aos poucos começa adentrar à minha epiderme me jogando em um êxtase estranho. Lentamente tomei conhecimento que isso se chamava felicidade. Algo que é difícil de manter. Te consome e te drena até não sobrar mais nada. O segredo é encontrar a fonte certa, que não seca. 

Ao encontrar com meus amigos algo saiu de mim, uma parte da porção que me invadira antes. E do mesmo modo eles começam a criar assas. É algo dolorido, quebra o osso, rasga o músculo, rompe a pele. Mas a liberdade de voar alto é algo que não tem preço. O problema é a tentação de verificar as marcas das pegadas. Por um segundo só a curiosidade me domou e olhei para trás. Pedras, espinhos, escuridão, dor. Monstros e demônios me olhavam com sede de sangue, tão bonitos e puros no meio dos escombros, me chamavam tão solenes. O que me despertou foi o soco forte e amigo dos meus colegas. Foi a melhor dor que senti. Desde então meus olhos travam grandes batalhas com meus pensamentos. Ainda é um pouco difícil sempre olhar para frente, mas estarei sempre à disposição de aprender. 

Um novo dia não é sinônimo de alegria, um novo olhar pode ser. E com isso, pouco a pouco minha fera vai sendo domada, até poder ser solta junto com as outras. Às vezes é difícil acalmar criaturas criadas presas e mal alimentadas. Novos caminhos vão sendo traçados a cada passo. O sol já está se pondo, levando consigo aquela energia que temos que esperar por um novo dia, e mais, torcer para não chover.

Depois de um dia difícil vem um bom para recompensar, eles disseram. Como sabem? Eles nunca viveram no dia de amanhã. Mas eu digo, vou fazer o meu dia valer a pena, mesmo que seja o ultimo.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O fim do mundo das páginas do além


Em uma tarde normal de verão Clarisse estava sentada na janela de sua casa. A chuva batia e escorria pelo vitral da janela soando como uma música aos ouvidos da garota que lia um livro de aventura das terras médias. A luz do quarto estava acessa, seu gato dormia na cama e de tempos em tempos Clarisse bebia um pouco de chocolate quente com pedaços de marshmallows, de um jeito que só as mães sabem fazer.

Abruptamente essa atmosfera acolhedora foi destroçada com o romper violento de quatro homens encapuzados invadindo seu quarto. De longe era possível escutar os gritos de pavor de sua mãe, algo que despertou o desespero da jovem. O pequeno gato preto correu para debaixo da cama e Clarisse arremessou longe a caneca com a bebida quente, quão grande foi seu susto, molhando todo o tapete. Os homens ostentavam no peito o símbolo da segurança da cidade. Além disso, máscaras de oxigênio acrescentavam um ar macabro, somado às inúmeras armas e facas aderidas na roupa escura. O que parecia um assalto na verdade era uma missão, um dever do Estado.

Com uma voz rouca e tremulada, um suspiro no fundo, um dos caras disse: 
- Moça, você está violando uma lei séria e pagará por isso!

Clarisse só conseguiu soltar um suspiro de medo e desentendimento. Dois dos “seguranças” a agarraram e os demais fizeram uma completa varredura no cômodo. Não estavam procurando drogas ou armas, mas livros. Sim, livros. Pegaram todos os que encontraram, didáticos, literários, de culinária, todos. A incursão não fazia o menor sentido à pobre garota que não sabia se devia manter a calma ou gritar quando a voz da mãe se perdeu no calor da situação. Por alguns segundos houve silêncio no recinto, sendo possível escutar somente a chuva juntamente com o pulsar acelerado do coração de Clarisse. Então a garota foi jogada no chão e os outros deixaram o quarto. 

Na rua, agora era perceptível, muita gente estava correndo aflita, sendo perseguida pelos mesmos mascarados assustadores. Ao correr à sala, a menina não encontra sua mãe, apenas a porta arrombada e uma terrível vista da vizinhança. Nas calçadas estavam espalhadas latas de lixo, jovens chorando sem parar, muita correria. De longe era possível ver a “crista” de uma enorme fogueira e bastante fumaça. Assustada, Clarisse só pode imaginar que havia ocorrido algum atentado ou algo semelhante. Sem saber o que fazer decidiu ligar para seu amigo Luan.

- Hey Luan! Você sabe o que está acontecendo? Por favor, minha mãe desapareceu... O que está havendo?!

Choro.

- Calma Lisse! Sei que é terrível! Você viu o que anunciaram no jornal? Mas o que diabos deu neles?!
- Haa meu Deus!... O que anunciaram?
- Há mais ou menos uma hora os presidentes de todos os países, depois de uma conferência, acabaram por decretar uma lei que vai contra todo e qualquer tipo de livro, a não serem avisos ou ordens dos superiores. Acredita?
- É o fim do mun...

Repentinamente todas as linhas telefônicas, de TV e de internet foram cortadas. O mundo estava Off. Agora só restava lugar para o desespero.

Clarisse correu muito, não sabia ao certo para onde, mas correu. Decidiu então seguir a fumaça. Ao chegar ao centro da cidade o choque foi tão grande ao ver tal cena, que para ela o que mais lhe convinha era chorar. Uma pilha gigantesca de livro estava sendo queimada. As chamas consumiam as capas duras, os Best Sellers, os grandões, os pequenos, centenas, milhares de livros devorados não por leitores ávidos, mas pelo fogo. Para alguns não parece muita coisa, mas para os leitores como Clarisse, aquela cena é digna de revolta, raiva e tristeza.

Era possível ver inúmeras histórias carbonizadas. As palavras subiam com a fumaça e caíam como cinzas de vulcão, sem vida, sem cor. Era horrível ver Nárnia queimar; Alice gemer de dor; o lobo mal despelar com o calor; Shangri-La derreter; impérios ruírem. Nada podia ser feito. Eis que a humanidade estava atada às cordas de sua própria condenação. 

Clarisse sentou na estrada e aos prantos viu seus personagens favoritos estalarem na brasa da fogueira. E assim ficou por horas, aturdida às coisas ao seu redor. Vez ou outra, soldados descarregavam vários caminhões de livros, alimentando o fogo e a comoção dos que ali estavam prestando certo tipo de respeito. Cansada de tudo a jovem adormeceu no local.

E foram se passando os dias, Luan encontrou a amiga e a acolheu. Muita gente havia sido sequestrada, na verdade, somente os escritores para que não mais escrevessem coisa alguma. As ruas estavam vazias, o céu perdera a cor, as folhas das plantas viraram cinzas. Sem comunicação o mundo voltou as suas origens. Os seguranças continuavam a trabalhar, prendendo e até matando quem ousasse escrever. Às palavras foram lhes tiradas a liberdade de voz. O planeta outrora azul, agora variava do preto ao cinza.

Transcorridos três meses do grande “holocausto”, os mares e rios haviam secado até a última gota. Os animais não mais existiam, a vida se fora juntos com os livros. Não restaria muito para tudo não passar de uma história que não poderia ser contada a mais ninguém. 

Clarisse e Luan estavam a andar pelo deserto, antes conhecido como lago Cristal. Inesperadamente a terra começou a tremer. E a cada momento os tremores só aumentavam, derrubando os prédios e casas na cidade. O casal foi arremessado no chão. Logo, este ganhou grandes riscos. Fendas enormes foram abertas e delas saíam jatos de magma, com uma cor vermelha linda. Os meninos foram engolidos por uma cratera e a cada metro da queda era possível sentir a pele borbulhar até...

Suada e assustada Clarisse desperta, há pouco terminara de ler o livro que ganhou de Luan. Na capa dura estavam estampada as palavras, “Páginas do além”. 

- Foi um bom livro, com certeza.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um cara estranho


Quarta feira. Sirene. Movimento. Barulho.

Sentado à mesa do refeitoro simplesmente observava as pessoas. Já era o segundo dia que matava as primeiras aulas, estava de saco cheio. Então de repente algo estranho começara a acontecer. O garoto quieto que usava óculos e era enxotado de todos os grupinhos sociais da escola agora não parecia o mesmo. Estava enfurecido. O dia ensolarado ia se tornando aos poucos um cenário apocalíptico. As nuvens cresciam e se juntavam com uma velocidade que espantou a todos da escola e da cidade. A escola com grandes estruturas era engolida pela penumbra que surgia. A cada segundo o vento aumentava sua velocidade, espalhando as folhas caídas por todo o pátio. Não era algo comum na cidadezinha, mas foi um pensamento unanime o de que era um furacão se aproximando. Na verdade as nuvens negras já começavam a ganhar uma forma cilíndrica sobressaltada no céu recém-transformado. As árvores ameaçavam cair, os fios elétricos oscilavam velozmente, lixeiras eram derrubadas, areia e folhas ganhavam formas de pequenos redemoinhos, lembrando as histórias do saci. Alunos, professores e servidores correram aos portões de saída em desordem. Porém, imediatamente as portas de aço se fecharam com grande violência, decepando o braço de um jovem ao meio que atravessava a passagem. Apesar da bagunça foi possível escutar os ossos serem torados e o sangue espirrar como uma mangueira com o orifício semicerrado por o dedo de alguém que rega as plantas. Do lado de fora o caos continuava, galhos quebravam os para brisas dos carros dos professores.

Enquanto todos gritavam e corriam, o jovem nerd continuava sentado à mesa. Elogiado por alguns, invejado por muitos e amado por seus poucos amigos, este rapaz passara por muita coisa. Há quatro anos sofre bullying e ameaças dos alunos “populares” de onde estuda. Além disso, semana passada havia sido estuprado por seu padrasto. O que fez com que a raiva e tristeza só aumentassem. Sem conseguir mais conter essa gama de sentimentos, acabou por se entregar totalmente à fúria. E esta o fez evocar o tornado e fechar os portões da escola, apenas com a mente. E de repente, como se surgisse da terra, uma energia lhe subiu da planta dos pés à cabeça. Nessa trajetória era deixado um rastro negro em sua pele, semelhante aos caminhos formados por a água transbordada de um vaso. Pouco tempo depois seus olhos foram enegrecidos, totalmente, transformando assim sua fisionomia de triste para uma que demonstrava satisfação.

A força do vento aumentava e agora a gravidade já era abalada, fazendo cadeiras e mesas levitarem levemente apesar da agressão do furacão. Vez ou outra o céu era cortado por inúmeros raios. Nas paredes era perceptível a degradação da cerâmica, semelhante à ação de um ácido, segregando partícula por partícula. Rachaduras surgiam, desprendendo enormes blocos de concreto que eram arremessados contras as pessoas, lhes partindo o crânio e expondo seus conteúdos encefálicos. O pavor só era alimentado com todo esse sangue. O rapaz, outrora fraco e desprotegido, agora ostentava força e poder se erguendo do solo e flutuando elegantemente no centro do pátio, visível a todos. Com os olhos banhados de lágrimas de medo, aqueles que lhe agrediam, o fitavam incrédulos e submissos. É incrível como as pessoas mudam de pensamentos em momentos extremos. Agora muitos lhe imploravam perdão e pediam para serem poupados, pobres estúpidos que não tinham misericórdia. O poderoso aluno simplesmente os ignorou como havia sido ignorado por todos. Um grito foi ecoado, de dor, desespero e ódio e as estruturas da escola foram desintegradas, sucumbindo os estudantes e todos que ali estavam sob os escombros. Restando somente corpos ensanguentados, ossos esmagados e mentes fúteis destruídas. 

De longe o garoto que estava a dois metros do chão, observou seus únicos três amigos verdadeiros, intactos, sem nenhum arranhão. Apenas disse obrigado e partiu em direção ao céu negro.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Dia Difícil


Acordei cedo como todos os dias. Tomei banho, escovei os dentes, comi e escovei os dentes de novo. Estava abrindo a porta da minha casa quando uma mosca entrou na minha boca, em um pequeno gesto de bocejar. Foi desesperador, tossi até me livrar do inseto nojento. Até agora nada de mais havia acontecido, era um dia comum. Estava mais frio do que o normal, mas nada estranho. No caminho até a parada do ônibus escolar passavam-se inúmeros rostos diante dos meus olhos. Olhares fadados e cansados, até intrigantes.

Ao dobrar a segunda esquina do quarteirão um senhor que dirigia um carro descascado e mal cheiroso se jogou contra a calçada quase me atingindo. Fiquei pasmo, meu coração acelerou e minhas pernas tremeram. Foi uma surpresa e tanto quando observei e notei que o senhor tinha seus olhos liquefeitos em uma gosma preta que eu tinha certeza que não era sangue. Também não fui idiota de verificar com precisão. Apenas me afastei e segui o meu percurso. Eu devia ter verificado se o senhor estava vivo, se precisava de ajuda ou ligado para a emergência. Mas o que diria? “Alô, tem um senhor sem os olhos que estava dirigindo um carro e quase me atropelou!”. Preferi seguir meu caminho, ainda muito assustado e agora perturbado por aquela cena terrível. De repente senti o ar mais denso, estava difícil de respirar e o céu agora escurecia pouco a pouco cada vez mais. Pensei “é o fim do mundo” e meu coração gelou novamente. Eu só queria ir para a escola e esquecer aquilo, não podia ser real. Mais alguns passos e tropecei em meus próprios pés, o nervosismo tomava de conta. Sempre assisti filmes de terror, mas não sabia o que fazer caso estivesse é um. Não podia simplesmente gritar e correr, talvez aquilo estivesse só em minha cabeça, mas como isso explicaria o senhor no carro. Pânico. Pavor! Agora as nuvens cinzas davam lugar a enormes massas negras, tão negras que o dia se desfez em um crepúsculo instantâneo. Ok, agora sim eu corri. Não era um céu que precedia a chuva, mas sim que antecipava o fim, assim como nos filmes.

Ao chegar à parada vi vários alunos sentados e cabisbaixos. “Como podem estar tão calmos?!” pensei. Corri na direção dos meus amigos e todos estavam quietos e calados, até sangravam pelo nariz. Gritei e esperneei mostrando a escuridão celeste e falando do fato ocorrido com o senhor do carro, mas eles pareciam estar distantes, não me ouviam ou fingiam que não me ouviam. Lancei-me aos prantos e a cada segundo aumentava a dificuldade de respiração. “Devo estar louco”, era a única explicação plausível nesse momento. Parei um momento e percebi que havia mais umas quatro ou cinco pessoas apavoradas, não pensei em contar. Porém em suas faces estavam estampadas medo, desespero e aflição. Ao mesmo tempo senti uma onda de alívio e pavor, sabia que não estava só. Depois de longas passadas cheguei a uma garota em prantos. Não sei ao certo por que, mas ela gritou a me ver e seu grito era tão estridente que meus tímpanos se agitaram com força. De sua boca só saía gemidos e ao ouvir minha voz tremia de dor, ao menos aparentava isso. Meu coração quis parar e não sei o que o levou a desistir, mas o pavor só fez aumentar. Agora o céu acima de nós estava desabando em carmesim. Uma cor tão forte e escura que a meu ver parecia sangue. Logo me vi encharcado do líquido vermelho, “só pode ser sangue!”.

Momentos depois eu ouvi um barulho leve e peculiar, era o meu ônibus que andava lentamente. Se não estivesse acordado diria que andava em câmera-lenta. Os zumbis estudantes entraram um após o outro, sem pressa. Eu já não sabia o que fazer. Segui a fila e entrei no veículo que parecia mais uma sucata. Minha mente estava se contorcendo de insanidade, não entendia nada, aquilo não podia ser real. Em silêncio e todos sujos, do que acredito ser sangue, seguimos a viagem. Mesmo estranhos todos pareciam egoístas e só olhavam para seus próprios umbigos, literalmente. Pela janela vi aqueles outros jovens desesperados os quais eu não podia ajudar e eles também não me eram úteis para compreender tudo aquilo. O caminho não era longo, mas o tempo parecia se arrastar. A escuridão agora estava regredindo. Agora podia avistar a escola distante. Ao entrar me deparei com uma prisão, sim, uma prisão, com correntes e grades e carrascos ambulantes. Eram todos zumbis. Ninguém podia me ouvir ou me entender. Apesar de gritar e chamar atenção parecia invisível aos outros. Agora uma mosca na garganta não parecia tão ruim assim.

E assim se foi o meu dia, um dia quase comum. Ao final da tarde, ao cair da noite, volto para casa. Tropeço em uma pedra. Arranho meu braço na parede. Mordo minha língua. Sujo minha roupa. Um dia difícil. As coisas voltam ao normal e o que me aguarda para o dia seguinte é um mistério o qual não anseio descobrir.