sábado, 23 de fevereiro de 2019

Era uma vez



Era uma vez um menino, que para todos os efeitos, a sociedade definiria como problemático. Mas do meu ponto de vista era apenas mal compreendido. Ser introvertido pode soar meio estranho para a maioria e para outros até assustador. Devo deixar bem claro aqui que outrora as pessoas, principalmente as crianças, não ficavam conectadas à internet e muito menos abstraídas por tablets ou smatphones, então quando não se estava na escola ou dormindo era preciso fazer alguma coisa para efeitos de entretenimento. 

“Vai fazer novos amigos!”, “por que não vai brincar na rua como os outros meninos?” era muito ouvido por aquela criança da qual vos falo, mas o que ela realmente queria era só ficar no seu mundo onde podia controlar tudo e não havia oportunidades para mais machucados emocionais. Bem, só para deixar claro esse menino tinha vivenciado certas situações traumáticas o que o levou a criar uma espécie de “bolha” ao seu redor para evitar possíveis “dodóis”, como ele mesmo pensava na época. E já que ele não costumava interagir muito com os meninos da vizinhança e até mesmo da escola ele desenvolveu seus próprios mecanismos para se entreter, que na maioria das vezes, era baseado em brincar sozinho com seus próprios brinquedos criando todo um universo em sua mente. Por tal motivo fora muito repudiado por aqueles que não o compreendia, chegando a sofrer frequentes ataques verbais e até mesmo físicos. Mas esta história não é sobre o seu sofrimento, o que foi escrito até aqui foi meramente uma contextualização. O foco principal é o quanto esse garotinho foi se desenvolvendo ao longo dos anos, deixando claro aqui que sua “bolha” não o preveniu de futuros machucados e conforme o tempo foi passando a mesma se tornou em um muro. Isto é, era muito difícil de alcançar esse garoto tão bem escondido em sua fortaleza e conforme mais pessoas o machucavam mais grossas se tornavam essas paredes. 

Ele foi crescendo e crescendo e em meio a tantas pessoas que o tratavam mal ele ia conhecendo pessoas que o compreendia e que o aceitava, logo, com o avançar da sua trajetória esses bons amigos, e não posso deixar de mencionar os familiares, foram o ajudando a descontruir essa fortaleza que o cercava. Isso mesmo, desconstruir, tijolo por tijolo, não derrubar de uma vez para não esmagar o menino, que na verdade já havia ultrapassado sua idade e não era mais criança. Demorou um pouco, mas as espessas paredes de concreto se tornaram uma “bolha” novamente e a relação com os que o amavam o transformou em um ótimo ser humano. 

O tempo passou e essa “bolha” nunca desapareceu, mas estava maleável e expandia, agregando novas pessoas ao seu mundo, e encolhia, o deixando totalmente fechado até mesmo para os próximos, conforme as situações da vida. É provável que essa “bolha” nunca irá desaparecer, mas é flexível o suficiente para deixar as palavras esvaírem e contar a própria história de como eu era uma vez.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Euforia da saudade



O dia foi regado de cores neutras

Cada hora se arrastando devagar

O sol se pôs entre nuvens pardas

Logo brilhou o grande astro noturno

Sob o luar radiante senti suas vibrações

A distância se fez curta

Sua voz logo me aquiesceu

Uma energia brotou em minhas veias

E mesmo sob o céu escuro

Observei o brilho das cores



A excitação me tomou

Com ela veio o torpor

A necessidade de rasgar a voz

Voz essa que foi calada

Logo não vi outra alternativa

Senão cravar as palavras no papel

Para não serem levadas pelo tempo

A euforia não passou

Nem minha sede de conversa

Minha mente segue dispersa


Em homenagem a minhas queridas Larissa e Lua

Minha loucura



O despertar da minha insanidade permite eu observar o mundo de uma forma diferente. Eu vejo algo profundo nas pessoas. Eu sinto o peso dos olhares. Escuto com cautela o timbre de voz. Eu sinto demais. Uma empatia que não consigo controlar me faz vivenciar experiências alheias. O tempo todo preciso saber as horas como se estivesse sempre atrasado para algum compromisso. Eu não suporto a pressão de manter contato visual em uma conversa, me sinto nu diante da pessoa e acabo desviando o olhar. Sempre olho para a boca do indivíduo para ter absoluta certeza de que irei compreender a mensagem. O tempo todo minha mente elabora centenas de ideias que seriam consideradas loucuras, penso, repenso, mas não chego a executá-las. Meu cérebro é uma máquina de criar paranoias. É um caos, minha bagunça onde eu me entendo. Matando vários leões diariamente vou vivendo um dia de cada vez. Ora bem, ora mal vou trilhando essa jornada sempre ansiando pelo futuro [que o mesmo venha ser bom].

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Labirinto



        Sirenes e gritos me despertam de um sono profundo, tão profundo que não lembro de sonhar nada. Sinto meus pulmões pegarem fogo e meu coração batendo forte contra minhas costelas e de repente abro meus olhos me deparando com paredes enormes. Não reconheço o lugar, muito menos as pessoas que estão ao meu redor, mas consigo observar um enorme corredor que termina com uma parede do tamanho de um prédio de 3 andares. Tento falar, mas minha respiração está tão descompensada que só consigo emitir um som agudo. Me sinto como se tivessem colocado alguma droga na minha bebida e realmente a última coisa que lembro é de estar em um bar com meus amigos, mas não vejo nenhum deles. As pessoas ao meu redor, crianças, jovens e idosos começam a moverem-se adiante no corredor, alguns caminhando aos tropeços, outros correndo desesperados. Não está muito claro, parece ser de madrugada e olhando lá no fundo vejo algumas pessoas desaparecerem. Curioso, caminho com alguns adultos até o final do corredor e subitamente percebo que há duas saídas em ambas as laterais, bom pelo menos eu pensava que eram saídas até observar outros longos corredores. Ainda não conseguia respirar normalmente, mas já conseguia falar um pouco, tentei me comunicar com um garoto que soluçava ao ver ossos humanos em um dos cantos do corredor a direita. O estranho era que ele não falava minha língua e eu não tinha noção que idioma era aquele que ele falava em meio aos prantos. Eu estava totalmente atordoado e perdido, mas continuei andando e me deparei com um corredor sem saída alguma, de repente parei congelado de pavor, comecei a imaginar que estávamos em um labirinto, o que me deixou estarrecido.

        Depois de alguns minutos sentado no chão tentando me controlar voltei para o corredor onde acordei e segui pela esquerda. Eu ouvia gritos e mais gritos de horror e desespero. Decidi então correr ao invés de caminhar. Eu passava entre algumas pessoas tentando me comunicar, mas todos falavam idiomas que eu não compreendia. Comecei a pensar que não havia comida ou água a minha disposição e resolvi voltar a andar para poupar energia. Depois de andar algumas horas me deparei com um muro onde havia alguns desenhos e símbolos que pareciam ter sido escritos com sangue e o mais curioso, havia no lado oposto uma parede que era coberta totalmente por pedaços de espelhos. E ali fiquei sem saber ao certo quanto tempo observando meu reflexo em retalhos. Voltei a caminhar e ao passar por algumas crianças as reconheci da minha infância, eu havia estudado com elas há muitos anos, como era possível? Falei aflito e dessa vez compreendi uma delas que falou sombriamente em inglês “Come play with us at the end of the line”. Aquela frase me animou e me assustou ao mesmo tempo, pelo menos podia me comunicar com alguém, mas o que ela queria dizer como “venha brincar conosco no fim da linha”? Abruptamente senti meu coração pulsar ferozmente e olhando ao meu redor percebi que não só as paredes, mas o chão e estranhamente o céu noturno também estavam rachando. Aquilo ferrou com minha mente, eu não compreendia o que estava acontecendo. Literalmente pedaços do céu estava caindo e onde os mesmos estavam só restava uma luz branca muito forte. Comecei a correr sem direção evitando os buracos formados no chão, era como se a realidade estivesse se desfazendo. Correndo desesperado me deparei com um beco sem saída, ao olhar para trás vejo a mesma criança com quem falei, mas ela estava diferente, no lugar de seus olhos saíam cobras, uma em cada orbita ocular. Com uma voz diabólica ela não parava de repetir “Come play with us at the end of the line”. A essa altura metade do cenário ao meu redor já tinha se desfeito e eu mal conseguia enxergar o resto devido a forte luz branca. Comecei a ouvir uma voz de uma mulher dizendo “se afastem, vou tentar novamente!”. Eu só conseguia pensar que estava realmente enlouquecendo. Senti uma forte pontada no peito e de repente tudo ficou branco. E do branco ficou tudo preto. 

        Dolorosamente abro meus olhos e minha visão embaçada vai aos poucos se ajustando e focando alguns rostos ao meu redor. Percebo então que os rostos estão cobertos. São médicos e enfermeiras. Só consigo ouvi eles falarem alguma coisa e apago novamente. 

        Ao abrir os olhos novamente vejo todos os meus amigos ao meu redor. Com uma voz fraca pergunto o que aconteceu e um deles fala “Cara, você está bem? Você sofreu um acidente dirigindo bêbado e estava apagado há três dias!”. Muito assustado e curioso pergunto: “Então eu não estava em um labirinto?”. Eles riram e perguntaram se eu tinha sonhado com isso, afinal os médicos precisaram me reanimar e tentaram várias vezes. 

        Vez ou outra fico me perguntando se aquelas imagens do labirinto eram ou não reais, pois as sensações foram. Mas eu não sei ao certo, vai ver era só minha alma que estava perdida.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Madrugada


        A madrugada existe não para o sono de verdade. É hora de pesares. As coisas simplesmente fluem. É uma fonte que não consigo cessar. A mente tenta se organizar, mas sempre me agarro a um pensamento e o fico repetindo, o moldando, até ficar entediante. Então simplesmente o deixo ir. É algo totalmente egoísta. Mas estarei eu sendo egoísta comigo mesmo? Isso é possível? Não há guerra, não há paz, apenas imagens desconexas. Como elas conseguem fazer sentido agora. Essa música que não escolhi aleatoriamente para escutar me faz transpor os limites da minha casa e me leva para um lugar onde me sinto seguro. As lágrimas teimam em escorrer, não são de tristeza ou de alegria. Apenas excesso de pensamentos que precisam ser expulsos de alguma forma. Essas palavras, acredito eu, não vão ter o mesmo sentido amanhã, mas agora é tudo tão claro. Para mim é óbvio, para outrem pode ser uma bobeira. Simplesmente não consigo parar. É algo que flui no ritmo da música. Não consigo viver sem esta. Certamente agora me desviei do meu pensamento de início, é sempre assim, já entro em terrenos diferentes. O importante é não parar de viver.

Pausa.

        Nem sempre podemos nos manter fixos, as coisas rotineiras te motivam a mudar. Basta olhar para um lugar diferente e sua cabeça voa milhas. Não estou respeitando as normas da gramática talvez, mas estou excretando meus pensamentos para não precisar molhar meus lençóis com lágrimas. Não estou respeitando ninguém, apenas a mim mesmo. Não preciso agradar ninguém. É nas palavras e somente nelas que me sinto realmente livre. Não preciso me deter nos limites das páginas ou nas regras de sintaxe. Só sigo as minhas regras, de não precisar seguir regras, pelo menos não hoje, não agora. Não sou escritor, muito menos poeta, apenas gosto de fazer o que todo mundo faz, pensar. Já nem lembro ao certo porque eu comecei a escrever, isso é sinal que o fluxo da minha mente estabilizou. O que significa que aqui devo encerrar minhas palavras. Por enquanto.

sábado, 6 de agosto de 2016

Inocência


Uma chave jogada em um terreno baldio reluziu em meio aos montantes de lixo e ferragens velhas. Logo chamou atenção do pequeno garoto que ali brincava com um gato de rua. De pelos cinzas e manchas pretas, pulava e corria seguindo um velho chaveiro no formato de cruz amarrado em um barbante encardido. O menino de repente suspendeu seus movimentos circulares e com isso seu amigo também se aquietou. 

Uma moeda nova que viera com o ultimo carregamento de ferro velho, o jovem deduziu. Imaginou também o que seu amigo quadrúpede estaria pensando, em um brinquedo novinho quem sabe. 

Mas isso seria muito estranho nessas redondezas, afinal, há décadas nada isento de ferrugem ou sujeira chegava àquela região esquecida pelo tempo, sua mãe lhe dissera certa vez. A curiosidade então falou mais alto, teria que verificar antes de voltar para casa. Enrolou seu barbante velho e o colocou com cuidado no bolso de trás da calça surrada. E pediu para seu colega: - Você poderia ficar um momento aqui e servir como vigia, caso alguém apareça? 

Um olhar semicerrado e uma cabeça pendendo para o lado esquerdo foi sua única resposta. E de alguma forma o menino concluiu que aquilo era um “sim”. Como alguém que acaba de fazer um trato, apertou a pequena pata direita do animal e sem mais delonga virou-se para a enorme pilha. Poderia levar horas, dias ou até mesmo anos para galgar toda aquela quinquilharia, pensou. Mas não se deteve, começou a pular e escalar vendo os inúmeros objetos ao longo do caminho e imaginando que história tudo aquilo contaria se soubessem falar. 

“Como fui feliz percorrendo longas estradas, disse o pneu velho”.

“Sinto falta de manter os vegetais fresquinhos, resmungou a geladeira”.

“Amava como todos brigavam só para olharem para mim, regozijou a antiga TV”. 

E assim sucedeu a trajetória do pequeno garoto, apesar de estar em um local relativamente alto, sua mente voava milhas acima daquela planície. 

Alheio à emoção do garoto o gato partiu sem rumo para a direção oposta. E destemidamente a escalada continuou vez ou outra sendo interrompida por uma rajada forte de vento carregando poeira. 

Contudo houve um momento em que um computador velho desabou com a força da pisada do garoto fazendo com que o mesmo também caísse, despencando 27 metros, até atingir com força o solo com pedregulho. Nesse ínterim quinas e lanças enferrujadas fustigaram o menino sem nome fazendo cortes profundos, um deles acertando fatalmente o pescoço do pobre indivíduo. E sem mais nem menos, poucos segundos depois só havia um corpo sem inquilino, jogado ao acaso. Sua mente continuou a subir sem parar, pensando que atingiria o teto do mundo, enquanto sua antiga moradia era encoberta por terra. 

Ninguém nunca saberia, mas a criança havia morrido em paz pensando ter alcançado a chave que a tiraria daquele mundo infeliz.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Insanidade


Subi na minha bicicleta e pedalei arduamente sem sequer espiar o que eu deixava para trás. Estava cansada disso, não ia suportar por muito tempo mesmo, eles deviam saber que não. O som meio opaco dos pneus atritando e impulsionando o mundo para o passado chega aos meus ouvidos como um clamor de alívio, de uma momentânea segurança. O ar quente queimando meus pulmões a medida que escapa por entre meus lábios dolorosamente escarlate. Meus músculos doem, mas não sou capaz de parar e pensar nisso me deixa enjoada. Olho pra o horizonte que me encara de volta, utópico e indiferente aos meus sentimentos. Mesmo assim insisto em voar para ele, no entanto, casas, automóveis e pessoas brotam do solo afastando a tênue linha para mais longe. 

Felizmente a atenção em desviar dos veículos reprime as cenas que sei que não esquecerei. Eu realmente não faço ideia que aparência apresento no momento, mas olhos curiosos e assustados me fuzilam sem pudor. Seria tudo tão simples se eu pudesse simplesmente voar ou quem sabe sumir. Morrer. 

Morrer.

Isso sim pode ser bem manejado com uma simples mudança angular do guidão. Estou vendo uma camionete crescendo há alguns metros e o fato de estar na contramão só faz encandecer o pensamento malicioso. A luz queima minhas retinas e fico cega temporariamente. Fecho os olhos sem pensar em tocar nos freios. 

Buzina. Gritos.

Ainda estou viva. Uma notícia que não me deixa mais aliviada. Ao pensar para onde estou indo sinto-me aterrorizada pois não tenho destino certo. 

O barulho abafado do músculo cedendo à medida que eu pressionava a lâmina contra o estômago dela ainda ecoa em minha cabeça. “Uma pobre garotinha” é o que imagino que sairá no jornal local. Minha roupa ainda exala o fétido cheiro de suco gástrico e minhas mãos estão pegajosas devido o suor e o sangue ressecado. Ela devia ter em média 12 anos, mas jamais me enganara com aquela carinha de anjo. Meus longos cabelos estão emaranhados e levemente amarrados com uma liga de plástico, a mesma que usam para separarem notas de dinheiro.

As sirenes piscam a centenas de metros atrás e imaginar passar o resto da vida na cadeia não é nada animador. Eu fiz o que me disseram. Fiz o que as vozes mandaram. Aquela estúpida garota mordeu a orelha do meu querido filho. Fiz o que tinha que fazer. O que todas as mães protetoras deviam fazer. 

Nesse momento eu só quero chegar no horizonte e pedalar sob o arco-íris. É minha recompensa, minha vitória.

Fiz o que meu filho não teria coragem de fazer. Ele é muito novo e agora vai crescer em paz com seu pai. 

Eu fiz o que devia fazer. 

E assim sigo com o fervor da adrenalina rasgando meu corpo. Estou mais perto das cores fortes. Mais perto do inalcançável. 

E assim vou, em paz, pois fiz o que devia fazer.